“Levantei-me de madrugada, naquela manhã de agosto, dia marcado para a partida. Queria assistir ao romper da manhã do meu último dia em Lisboa. Ouvir os ruídos da cidade e o fervilhar das gentes nas ruas. O céu, ainda de um azul-pálido, ia arrecadando as estrelas mais renitentes. Dentro em breve tudo ficaria para trás, tudo se diluiria numa memória, como nuvens dispersas pelo vento.”
É assim que Álvaro Morna conta o primeiro dia da sua fuga e exílio para a França, 10 de agosto de 1963, a fim de evitar a mobilização para a guerra colonial, uma guerra que ele achava estúpida e desumana, como todas as guerras: “Decidi nessa altura desertar. Antes tinha estado preso um ano, já por razões políticas, numa prisão militar em Penamacor”. Nascido no Porto em 1940, A. Morna passou a juventude em Leiria. Exilou-se e após o 25 de Abril regressou a Portugal, mas acabou por voltar a França novamente, tendo iniciado a carreira de jornalista nos anos 80, na Radio France-Internacional. Foi ainda correspondente do Diário de Notícias, da Lusa e da Rádio Renascença.
Ao escrever “O caminho da liberdade” (ed. Gradiva, 2004), A. Morna quis deixar o seu testemunho vivido no tempo da ditadura. Uma ideia que germinava no seu espírito há muito tempo, mas que uma doença grave veio acentuar a urgência de o escrever. Álvaro Morna faleceu alguns meses depois, em maio de 2005, em Paris. No prefácio, o autor escreve: “Ao contar, com todo o rigor, a minha história, foi para mim uma forma de contar também milhares de outras histórias vividas pelos jovens portugueses que recusaram partir para uma guerra que contrariava o curso da História.”
Álvaro Morna revela-se neste livro como um escritor de pleno direito, com uma grande força narrativa, evitando os efeitos literários e o romanescos, mas não desprovido de emoções, de poesia e de humor, como ao contar a sua segunda noite em Paris, 24 de agosto, debaixo de uma das pontes do Sena, com uma grande folha do Le Figaro a servir-lhe de cobertor, a ele, militante comunista…
Dominique Stoenesco