JOAQUIM PALMINHA SILVA (1945-2015)

Faz hoje um mês que faleceu no hospital de Évora Joaquim Maria Palminha Silva. No dia seguinte, debaixo dum sol esplêndido e frio, foi a sepultar no cemitério dos Remédios, na entrada ocidental da cidade, essa mesma que ele tantas vezes visitava à procura das marcas próximas da sua infância. Antes houve missa de corpo presente numa daquelas igrejas soturnas e barrocas da cidade, tão sombrias e desoladas, a de São Tiago, com uma homilia aceitável para um homem que, não recusando o evangelho que recebera na infância, castigava com o riso a dogmática da Igreja. O ponto emocionante foi porém o instante em que dois familiares se adiantaram para cantarem a conhecida música de Jacques Brel, “Ne me quitte pas” em homenagem ao homem que partia para sempre.
Joaquim Palminha Silva, nascido em Évora a 16 de Outubro de 1945, estudou nos Salesianos desta cidade, escola e instituição à qual viria a dedicar um dos seus conscienciosos estudos históricos, e desde cedo se mostrou um ágil publicista adverso à situação. As suas simpatias iam então para o Partido Comunista Português. Começou por escrever numa folha eborense, Democracia do Sul, cuja história está ainda por fazer, mas logo passou aos jornais lisboninos assinando artigos e notas nas páginas do Diário de Lisboa e do República, onde conheceu Francisco Quintal, com quem mais tarde fará amizade próxima. Incorporado no exército em 1966 e mobilizado para a Guiné em 1967, Palminha Silva opta por desertar, entrando em ruptura indefectível com o Partido, cuja política era contrária à deserção.
Sem apoio político, sem papéis, isolado e procurado pelas autoridades militares e civis, vive cerca de meio ano clandestino numa pensão pobre do Bairro Alto, até que em Junho de 1968 consegue passar a salto para França, numa fuga inaudita que ele avaliava a rir como o lance mais romanesco da sua vida – fértil em inenarráveis transes rocambolescos. Em Paris, onde conviveu com João Freire, Hipólito dos Santos, José Maria Carvalho Ferreira e tantos outros, sequioso de acção, ingressou na LUAR, de que se tornou operacional a tempo inteiro. Lastima-se apenas que mais tarde, nos anos de sossego que ainda gozou, não tenha escrito o memorial desses tempos tão ricos de acção, de encontros, de lances caricatos e aventurosos, que dariam na verve saborosa da sua pena páginas vivíssimas e cheias de humor.
Com o golpe militar de Abril e a Revolução dos Cravos, Palminha Silva regressa a Portugal, acabando por cumprir o serviço militar em falta em Angola e concluindo o curso de História na Faculdade de Letras de Lisboa. Ingressa então no Ministério dos Negócios Estrangeiros, e nessa qualidade faz várias investigações, uma dedicada à actividade consular de Eça de Queiroz em Havana, até que transita para a administração regional a pedido do município de Cuba, no Baixo Alentejo, onde se dedicou ao estudo e à divulgação do escritor Fialho de Almeida. Fundou nessa época com outros cubenses a associação cultural “Fialho de Almeida”, que publicou dois admiráveis boletins e ainda hoje existe por porfiados esforços da Professora Francisca Bicho.
Reformado da administração regional, regressou à cidade natal, onde fez estudos locais invulgares, como esse trabalho que dedicou às marcas esotéricas dos monumentos de Évora, num livro singular, pensado e escrito ao arrepio de modas, que titulou Évora Oculta. O seu espólio, riquíssimo de notas sobre a cidade, só comparável ao de Túlio Espanca, foi doado há anos ao Município de Évora, sem que este, ao que entendi, se desse sequer ao trabalho de se fazer representar na sua despedida. Ai a gratidão humana é tão pouco exemplar!
Tive a felicidade de beneficiar ainda do convívio e do conselho deste homem mais velho uma geração. Depois do 25 de Abril foi colaborador regular da imprensa libertária e recordo-o, de gabão largo e palavra fácil, na década de 80 do século passado num encontro da revista A Ideia. Um estudo seu, sobre a figura do Mafarrico na cultura oral portuguesa, tema dilecto dele, acaba de ser publicado no número 75/76 d’ A Ideia; pouco antes de falecer, já irremediavelmente doente, ainda me entregou para publicação novo estudo, mais uma vez sobre as marcas do Diabo na cultura popular, que terá sido dos últimos que escreveu e que em sua homenagem a revista dará a lume no ano de 2016.
António Cândido Franco
Évora, 15 Dezembro de 2015

Décès d’António Gomes, anti-fasciste , déserteur de l’armée coloniale, militant de la Luar

L’association Mémoire Vive / Memória Viva se fait l’écho du du décès d’António Gomes, survenu, à l’Hopital Tenon, le samedi 31 octobre 2015.
Les Funérailles auront lieu, au crématoire du cimetière du
Père-Lachaise, jeudi prochain, 12 novembre, à 15h. Le corps sera exposé à 14 heures, à l’Hôpital Tenon jusqu’à 14 heures trente minutes.
Antonio Gomes, anti-fasciste , déserteur de l’armée coloniale, militant de la Luar, a toujours combattu, pour la démocratie et la révolution au Portugal.
 Honorons sa mémoire!

 

Débat sur la désertion dans l’émission de l’Union Pacifiste « Si Vis Pacem » sur Radio Libertaire

L’Union Pacifiste a reçu Mémoire Vive/Memória Viva dans son emission Si Vis Pacem sur Radio Libertaire, pour parler de la désertion. Les intervenants étaient composés de :

Maurice Montet, président de l’Union Pacifiste

Hugo Dos Santos, président de l’association Mémoire Vive/Memória Viva.

Vasco Martins, vice-secrétaire, réfractaire et animateur de réseaux de soutiens aux déserteurs.

Rui Meireles, déserteur de la guerre coloniale né en Angola, ancien animateur de Radio Libertaire.

Mr Pierre : fils de Rui Meireles, nous a interprété deux chansons de son répertoire en live.

Et aussi avec Pedro Fidalgo de l’UP; à la technique et à la programmation musicale.

EXILS – Témoignages d’exilés et déserteurs portugais en Europe (1961-1974) par Rui Bebiano

Ce texte est le préface du Livre d’exils, en phase d’édition, qui sera publié par l’AEP61/74. Il est signé par Rui Bebiano, historien, professeur d’Histoire contemporaine à L’Université de Coimbra et chercheur au Centre d’études sociales (CES). Depuis juin 2011, il est directeur du Centre de Documentation 25 avril, de l’Université de Coimbra.

Témoignages d’exilés et déserteurs portugais en Europe (1961-1974)

Expérience et mémoire de la désertion et de l’exil Pour commencer

« Quelqu’un peut-il être ce qu’il n’est pas ? Quelqu’un peut-il être ce qu’il n’est pas ? Quelqu’un peut-il être ce qu’il n’est pas ? »Quand j’ai commencé à lire les textes qui composent ce livre, je me suis souvenu du refrain d’une chanson que Sergio Godinho avait inclus, en 1972, dans son album « Pré-histórias » [« Pré-histoires »].

Cette même année, j’ai été arrêté au cours d’une manifestation contre la guerre coloniale et j’ai senti immédiatement que mon destin était tracé : la fiche de renseignement de la PIDE-DGS [police politique] allait m’empêcher de poursuivre mes études, et si je n’étais pas envoyé à Caxias [prison politique située près de Lisbonne], on m’incorporerait à l’armée, dans un bataillon destiné à partir en Afrique. Comme je ne pourrais cesser d’être qui j’étais, je choisirais la désertion et l’exil, comme bien d’autres avant moi.

Mais le récit de cet épisode personnel attendra la fin de ce texte. Ce qui importe pour l’instant c’est de souligner que le chemin de la désertion paraissait alors évident, presque inévitable pour beaucoup de ceux, dont certains prennent la parole dans ce livre, qui ont décidé de ne pas trahir leur conscience et la confiance de ceux qui, comme eux, n’ont pas accepté de pactiser avec une guerre injuste et un gouvernement tyrannique.

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Création de l’Association d’exilés politiques portugais (AEP 61-74)

L’Association d’exilés politiques portugais soit AEP 61-74, réunit un ensemble de déserteurs, de réfractaires et d’exilés politiques portugais en Europe et qui se sont retrouvés pour témoigner sous la forme d’un livre. Elle a pour objectif recueillir et divulguer les mémoires de l’exil des années 60/70 mais aussi de créer, produire, et appuyer la communication multimédia sur cette période et généralement soutenir et développer des initiatives pour la paix, pour les droits de l’Homme et contre la guerre. C’est une organisation à but non-lucratif et ouverte à des initiatives en lien avec son objectif.

L’association Mémoire Vive/Memória Viva salue la création de cette association et soutient son activité. Elle participera au lancement du livre des exils (« livro dos exílios »), une collection de témoignages autour de la désertion dont vous pourrez lire l’introduction ici.

Les « bons » et les « mauvais » par Hugo Dos Santos

Chaque année il semble que la situation des migrants en Europe ne peut empirer. Force est de constater que « nos » sociétés évoluent sans cesse vers ce pire : racismes en tous genres, islamophobie, antisémitisme, industrialisation du contrôle des frontières, floraison du système concentrationnaire des migrants, quartiers populaires délaissés et méprisés et renforcement des communautarismes. En bout de course, les conditions de vie inhumaines des Roms, « infra-étrangers » sur tout le continent.
Mais comme dit l’adage, répété avec emphase dans le film La Haine de Mathieu Kassovitz « l’important c’est pas la chute, c’est l’atterrissage »… Au vu de la société d’aujourd’hui, quelle société aurons-nous demain ? Quelle forme prendra l’atterrissage du processus régressif que nous subissons depuis des années ?

Comme son nom l’indique, notre association « Mémoire Vive/Memória Viva », puise dans le passé des dynamiques pour construire pour l’avenir. Autrement dit, la construction d’une société plus solidaire dépendra nécessairement de la restitution collective de la mémoire de l’immigration. Gageons donc que notre « raison d’être » est encore plus urgente qu’hier si nous voulons pas finir dans le mur.

En cette rentrée 2015, nous pourrions commencer par rappeler qu’il n’existe pas de « bons » et de « mauvais » immigrés. Qu’il n’existe pas d’opposition entre « Réfugiés », « Migrants », Syriens, Kosovars, Sénégalais ou Erythréens. Jadis, la différence était marquée entre les « immigrés portugais économiques » (fuyant la misère) et les « immigrés portugais politiques » (fuyant la dictature de Salazar). Différenciation artificielle qui marquait souvent une différence de classe sociale, et le mépris d’une classe de migrants envers une autre. Nous retrouvons aujourd’hui la même rhétorique dans la présentation des « réfugiés syriens » (présentés parfois comme une main d’oeuvre qualifiée, assimilable et s’opposant la dictature de Bachar El-Assad) et les « migrants » s’échouant – ou se noyant – en Méditerranée.

Comme le dit le narrateur du film « La photo déchirée » de José Vieira (film emblématique de l’histoire de l’immigration portugaise en France), « l’émigration portugaise des années 60 fût un plébiscite par les pieds contre la politique de Salazar ». C’est à dire que l’émigration économique de ces années-là, presque entièrement illégale et clandestine, était éminemment politique. Risquons-nous donc à déclarer – forts de notre expérience – que l’émigration en général, notamment lorsqu’elle est massive, est toujours un plébiscite par les pieds contre une politique locale ou internationale.
Ainsi, les « migrants » du Sénégal ou les Roms de Roumanie sont aussi légitimes et humains que les « Réfugiés » syriens (qui sont techniquement des futurs « demandeurs d’asiles »).

Invoquons nos expériences d’émigration et appelons à redéfinir correctement ce vocabulaire, ce lexique, qui divise plus qu’il ne définit. Enfin, affirmons également qu’il n’existe pas de traitement « humain » des migrants sans une ouverture des frontières et une fermeture des centres de rétention !

Tomada de posição de um grupo de cientistas sociais da área das migrações

Tomada de posição de um grupo de cientistas sociais da área das migrações

por Alexandre Abreu, Beatriz Padila, Cristina Santinho, Francesco Vachiano, Inês Espírito Santo, Joana Azevedo, João Baía, Jorge Malheiros, José Mapril, Raquel Matias, Ricardo Falcão, Rui Pena Pires

A União Europeia vive actualmente aquela que é sem dúvida uma das maiores tragédias desde que, com a assinatura do Tratado de Roma em 1957, a livre circulação foi instituída como um dos princípios fundamentais da Comunidade Europeia. Na origem desta tragédia encontram-se a intensificação dos conflitos no Médio Oriente e Norte de África na última década e meia (nomeadamente no Afeganistão, Iraque, Líbia, Síria e Palestina), o êxodo populacional que estes conflitos têm provocado e a desregulação dos sistemas de controlo nos países de origem.

Porém, o carácter especialmente trágico de que se reveste a actual crise deve-se também sobremaneira a factores que se situam do lado da própria União Europeia – designadamente a crescente militarização das suas fronteiras exteriores e a tendência para a securitização da mobilidade humana.

A concretização do princípio da livre circulação no contexto da implementação do Acordo de Schengen de 1990 fez-se acompanhar, de forma apenas aparentemente paradoxal, por um reforço sem precedentes do controlo e vigilância das fronteiras exteriores – e estas restrição e militarização crescentes do acesso ao espaço europeu constituem causas fundamentais da tragédia humanitária em curso, na medida em que vieram limitar decisivamente o universo de estratégias disponíveis para concretização das intenções de fuga e acesso.

Ao mesmo tempo, e a um outro nível, esta tragédia constitui também um resultado da concepção securitária da mobilidade humana que se generalizou na União Europeia nas últimas décadas. Em termos simples, esta securitização tem consistido na gradual substituição, nos discursos político, jurídico e mediático, da figura do migrante «trabalhador» pela figura do migrante potencialmente «criminoso» – tendência que se tem manifestado a uma série de níveis, da proliferação da classificação da mobilidade humana predominantemente em termos da sua «regularidade» ou «irregularidade» ao enquadramento político e institucional da mobilidade humana sob a tutela da justiça e segurança.

Como temos podido verificar nestas últimas semanas, esta tendência tem contribuído para que se desenhem linhas divisórias entre pessoas e para que se reforce a percepção da circulação humana como ilegítima, o que não tem deixado de introduzir uma clara e perigosa tensão entre o exercício de soberania nacional e os direitos humanos universais que a própria Europa diz defender e promover. A amplitude do movimento migratório dos últimos anos, bem como as condições da travessia do Mediterrâneo ou por terra que lhe estão associadas, não nos deixam impassíveis.

Nós, investigadores na área das migrações, recusamos legitimar qualquer política de confinamento das pessoas que impeça o exercício do direito fundamental a procurar algures um presente e um futuro melhor. Recusamos compactuar com a instrumentalização do medo e da emoção assente num racismo culturalista dirigido a imigrantes/refugiados que são classificados como «perigosos» com base em critérios de diferença racial ou religiosa.

Recusamos a falsificação histórica que representa a Europa como marcada por uma identidade homogénea e todas as narrativas artificiais que inventam e propagam valores exclusivos. Recusamos assistir passivamente a discursos que reforçam a necessidade de medidas securitárias, levando à legitimação de instrumentos desumanos e violentos como as rusgas de imigrantes, os centros de expulsão e as deportações.

Exigimos, pelo contrário, um debate com maior transparência, que não ignore os impactos sociais e humanos das políticas económicas europeias nos países do Sul global ou as responsabilidades especificamente europeias nas intervenções militares que têm destruído e desestabilizado muitos desses países.

Exigimos que esta crise origine uma reflexão alargada e aprofundada sobre as consequências nefastas da militarização das fronteiras exteriores da União Europeia e da securitização da mobilidade humana. Exigimos ainda que todos os procedimentos relacionados com os imigrantes e refugiados sejam conduzidos com transparência e respeito pelos direitos humanos.

Enquanto investigadores de diferentes ciências sociais como a Sociologia, Antropologia, Geografia, Economia, Ciência Política podemos e devemos dar o nosso contributo para uma reflexão crítica que urge sobre esta realidade, seja na participação no actual debate público ou na tomada de posição para uma sociedade mais plural e inclusiva. sábado 10 de Outubro de 2015